terça-feira, 8 de junho de 2010

FURTO DE VEICULO EM ZONA AZUL

Por decisão da 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina confirmando sentença da comarca de Joinville, a empresa Soil Serviços Técnicos e Consultoria de Santa Catarina, foi condenada a pagar indenização no valor de R$ 8,5 mil ao motorista Acácio Irineu Klemke, que teve o carro furtado quando ocupava uma das vagas do sistema de Zona Azul da cidade de Joinville, serviço explorado pela empresa.

Foi interposta apelação da sentença ao TJ, sob argumento de que na condição de permissionária do município de Joinville presta serviços de parqueamento das vias públicas, mantendo e operacionalizando o sistema de estacionamento rotativo sem dever de vigilância ou guarda dos automóveis. Segundo a defesa, "o preço cobrado pelo tíquete da Zona Azul remunera tão somente a permissão de uso do bem público, isto é, a viabilização da rotatividade dos estacionamentos de uso público".

O relator da matéria, desembargador Orli Rodrigues, entendeu que a Soil é responsável pelos danos causados a terceiros nos estacionamentos sob seu controle. Em seu voto, o relator fundamentou que " optando o Poder Público pela cobrança de remuneração de estacionamentos em vias públicas de uso comum do povo, tem o dever de vigiá-los, com responsabilidade pelos danos ali ocorridos".

“Isto porque tal cobrança, embora se preste a garantir a rotatividade de veículos nestes locais, restringe o direito fundamental de ir, vir e permanecer, garantido pelo artigo 5º, inciso XV, da Constituição Federal, ao impor aos cidadãos a obrigação de arcar com determinado preço para terem a permissão de estacionar seus automóveis nas vias públicas.”

“E como a cada obrigação deve corresponder um direito, o Poder Público, ou aquele que lhe faz as vezes, porque aufere vantagem econômica, deve suportar um ônus correspondente.”

Da Doutrina

O Juiz de Direito de São Paulo, Dr. Leonel Carlos da Costa, em artigo sobre o tema, publicado na Revista de Direito Administrativo Aplicado, nº 19 (outubro/novembro de 1998):

“No caso das vias e logradouros públicos, convém lembrar que tais são bens públicos de uso comum do povo (art. 66, I, do CC) e, portanto, sujeitos à proteção pela guarda municipal.

“Não é justo, pois, que o particular pague pelo estacionamento em ‘zona azul’, na via pública, sob pena de multa pela fiscalização (constantemente mantida), pague as contribuições de melhoria municipais, e, ainda, quando tem seu veículo furtado, ou danificado no referido estacionamento, fique sem ressarcimento, quando o Município não vigiou a guarda do veículo.

“É máxima jurídica que a todo direito corresponde uma obrigação e quem aufere vantagem deve suportar o ônus de sua atividade. Configura-se situação de injusta vantagem do Poder Público, contrariando a tendência já incorporada em nosso sistema (como acima foi mostrado), a exploração de estacionamento remunerado, com isenção de qualquer responsabilidade por prejuízos que os usuários ou seus veículos venham a sofrer, principalmente pela culpa in vigilando. Possui o município, como é caso de São Paulo, uma Guarda Municipal e existindo a fiscalização da CET, empresa municipal exploradora da ‘zona azul’, não há escusa para se deixar de ressarcir, quando estes se fazem presentes para multar e engordar as burras do Estado, mas ausentes para garantir a fruição da utilidade disponível a título oneroso.” (COSTA, Leonel Carlos. Da responsabilidade do Município por danos em veículos em estacionamentos ‘zona azul’. Genesis: Revista de Direito Administrativo Aplicado. Nº 19, outubro/dezembro 1998).

É necessário esclarecer que a empresa permissionária de serviço público faz as vezes do Estado, tendo transferida para si toda a responsabilidade inicialmente atribuída àquele. Isto é o que se conclui da leitura do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

Nesse sentido, leciona Luiz Antônio Rolim em obra recentemente publicada:

“O art. 175, in fine, da CF determina que o objeto da permissão bilateral é a prestação de serviço público, e não de atividade de interesse público. Assim sendo, a responsabilização civil dos permissionários de serviço público pelos danos causados a terceiros será a consubstanciada no § 6º do art. 37 da Lei Magna, ou seja, a responsabilidade objetiva ou responsabilidade sem culpa, na modalidade risco administrativo. Dessa forma, esses permissionários respondem direta e objetivamente pelos danos que seus agentes ou prepostos, nessa qualidade, vierem a causar a terceiros. Nesses casos, a vítima não precisará provar a culpa ou dolo de quem quer seja, bastando somente fazer prova da ocorrência do dano e do nexo causal entre ele e a autoria do evento lesivo.” (Rolim, Luiz Antônio. A administração indireta, as concessonárias e permissionárias em juízo. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2004).

Excertos importantes do acórdão

Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

Tal aplicabilidade restou muito bem fundamentada na sentença de primeiro grau, que a colocou nos seguintes termos:

“De início, para a análise da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, se faz necessária a configuração da relação de consumo entre a empresa permissionária e o usuário dos serviços por ela prestados.

“Para fins de caracterizar a relação de consumo, o artigo 3º do Diploma Legal em comento, conceitua serviço como: ‘a atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração’. A empresa Soil Park passou a oferecer à comunidade Joinvillense, a partir do termo de permissão obtido junto ao Município, após o procedimento licitatório, um serviço público, mediante pagamento, consoante atesta sua peça contestatória. Tal circunstância, por si só, a enquadra no citado artigo, exigindo a aplicabilidade do CDC ao caso vertente”.

“Ademais, segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, a remuneração das empresas permissionárias ocorre mediante o pagamento de tarifa, circunstância que corrobora com a aplicabilidade da Lei 8.078/90 (CDC), com todos os seus consectários”.

“Tarifa, ou simplesmente preço, outra coisa não é senão a contraprestação paga pelos serviços efetivamente prestados e fruídos pelo particular que o contratou, em razão de um ato de vontade. Não se confunde com o conceito de taxa, que somente alberga as hipóteses constitucionalmente previstas, possuindo natureza tributária e, não admitindo, por conseguinte, a aplicação do CDC”.

“O serviço público prestado pela empresa permissionária possibilita a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, posto que a contraprestação para a cobrança dos valores referentes ao tarifado pelo estacionamento consiste na fiscalização dos veículos deixados sob sua guarda, nada obstante as alegações de que a responsabilidade da permissionária consiste apenas no controle do tempo de parqueamento”.
 
“Ressalta-se que a partir do disposto no Código de Defesa do Consumidor, tanto os estacionamentos privados quanto os controlados por empresas permissionárias, ensejam o dever de indenizar uma vez verificado o dano e o nexo de causalidade.”

Nos termos do artigo 22 da Lei 8.078/90, as pessoas jurídicas de direito público, e as de direito privado prestadoras de serviço público, podem figurar tanto no pólo ativo quanto no pólo passivo da relação de consumo, da seguinte forma:

‘Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionária, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.’
Parágrafo único: ‘Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados.’

Nesse sentido colhem-se os seguintes julgados:

‘A remuneração do serviço de parqueamento, sob regime de preço público, é de responsabilidade da empresa permissionária, com aplicação da responsabilidade objetiva, que se distancia de simples falha de segurança pública, respondendo pela ocorrência de furto de automotor em estacionamento destinado a esse fim. O serviço de estacionamento prestado por empresa permissionária não se esgota na venda do talão, mas se estende à garantia de rotatividade e à fiscalização do sistema. A cláusula de ‘não-indenizar’, constante dos cartões de estacionamento, é tida como ineficaz, e, por conseguinte, nula de pleno direito, ante a legislação de proteção ao consumidor. A comprovação de furto de veículo se faz por registro policial e pelo controle de rotatividade mantido pela empresa permissionária, não se exigindo prova escorreita de dúvida, o que levaria a impossibilitar tal indenização’. (TAMG, AC 254.187-7, 3ª C.Civ. Rel. Juiz Dorival G. Pereira, DJMG de 23.09.1998).’

‘A operadora de área de parqueamento concedida pelo município tem a obrigação de reparar o dano decorrente de furto de veículo ali estacionado, dever que advém do descumprimento do contrato independentemente da indagação de culpa (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor). Se o veículo é recuperado em mau estado, em razão de avarias, impõe-se sua completa recuperação, independentemente de seu valor de mercado, pois o lesado não está obrigado a aceitar sua substituição por outro. Recursos desprovidos (TJRJ – AC 1.689/99, Rel. Des. Carlos Raymundo, 5ª C.Civ. j. em 16/03/99).

Considerando-se ainda a aplicabilidade do disposto no CDC à prestação de serviço público por empresa permissionária, a Súmula 130 do STJ, dispõe que: ‘A empresa responde, perante o cliente, pela reparação do dano ou furto de veículo ocorrido em seu estabelecimento.’

Ao estacionar seu veículo em local pago, o consumidor busca, além da qualidade no préstimo dos serviços, uma contraprestação correspondente à que dispõe nos estacionamentos particulares, qual seja, a segurança contra quaisquer inconvenientes.

Ressalta-se que a partir do disposto no Código de Defesa do Consumidor, tanto os estacionamentos privados quanto os controlados por empresas permissionárias, ensejam o dever de indenizar uma vez verificado o dano e o nexo de causalidade.

Do nexo de causalidade

O autor demonstrou a existência do nexo de causalidade entre a atitude omissiva da requerida e o furto do veículo, através do Boletim de Ocorrência.

Nesse sentido, colhem-se os seguintes entendimentos jurisprudenciais:

‘O boletim de ocorrência de acidente de trânsito, elaborado por agentes da administração pública, goza de presunção juris tantum de veracidade e só pode ser abalado por melhor prova em sentido contrário’ (AC 98.010409-2, de Blumenau, Rel. Des. Nilton Macedo Machado).

O consumidor não recebe qualquer comprovante dos serviços que lhe foram prestados, o que, por si só, dificulta a prova de encontrar-se o veículo no local do sinistro no momento do furto. Entretanto, a empresa permissionária dispõe de todos os controles referentes ao desenvolvimento de suas atividades. Ademais, estamos diante de responsabilidade civil objetiva, cujo ônus da prova da inexistência da culpa recai exclusivamente sobre o requerido.

Desta feita, diante da presunção de veracidade do contido no Boletim de Ocorrência, caberia à ré a comprovação de fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do autor, consoante artigo 333 do Código de Processo Civil.

fonte: Jorge André Irion Jobim

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